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  • Foto do escritorMateus Brisa

Qual a família brasileira do “time poderoso” encabeçado pela Ministra Damares Alves?

Edital publicado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos planeja financiar pesquisas de pós-graduação sobre questões que perpassam o núcleo familiar, mas deixa de lado as famílias formadas além do casamento e dos modelos hegemônicos

Uma das ilustrações da cartilha que representam o modelo da família "tradicional" (Foto: Cartilha sobre políticas públicas familiares via Freepik)

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) publicou no dia 7 de janeiro de 2021 o “Edital Família e Políticas Públicas no Brasil”, uma parceria com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). As duas instituições acordaram um Termo de Cooperação, se responsabilizando mutuamente pela execução do processo. Com o objetivo de fomentar pesquisas em Programas de Pós-Graduação stricto sensu direcionadas à “família”, às políticas públicas e outros assuntos, o edital tem sido alvo de críticas por associações científicas e ONGs devido à forma como foi elaborado.


O material reflete as concepções do Ministério, dirigido pela advogada e pastora evangélica Damares Alves (Progressistas), em relação às configurações de núcleo familiar e deixa de lado questões sociais e econômicas que recaem nas famílias brasileiras, como raça, classe, orientação sexual, desigualdade e violência de gênero, violência sexual, etc. Além disso, opera com uma concepção universal de família, desconsiderando as diversidades de experiências, modelos e arranjos, inclusive reconhecidas no plano jurídico nacional e no cenário internacional.


Em nota de repúdio veiculada no dia 22 de janeiro, a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) solicita uma “imediata revisão” do edital. No texto, a ABEPSS relembra sua atuação contra o financiamento de pesquisas através de seleções temáticas, pois estas representam uma afronta ao “livre conhecimento”, à “autonomia de docentes e dos programas de pós-graduação” e à “autonomia universitária”. Ainda, a associação censura a incidência dos interesses próprios do “desgoverno” do Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e reprova os eixos temáticos do edital, que “reforçam modelos estanques e reducionistas de família que não expressam a realidade” e retrocede em “conceitos conservadores de família e de política pública”.


Esta percepção é compartilhada por Andrea Moraes, antropóloga, Professora Titular da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e integrante do Grupo de Estudos sobre Família Contemporânea (Grefac). Segundo ela, tanto o edital quanto a “Cartilha sobre políticas públicas familiares”, veiculada pelo Ministério em 2020, marginalizam as composições familiares que não atendem ao formato de um casal heterossexual e seus filhos. Na cartilha, as representações visuais de família são construídas dessa forma e, duas vezes, apresentam apenas a figura da mãe com as crianças.


Esse foco na família “tradicional” é incoerente ao se considerar que esse modelo é minoria na realidade brasileira. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2015, a predominância dessa configuração nas famílias do país passou de 58% em 1995 para 42%. Andrea denomina o edital e a cartilha como “a cloroquina das ciências humanas”, em referência à campanha de Bolsonaro a favor do uso do sulfato de hidroxicloroquina como tratamento da Covid-19, apesar da eficácia do medicamento não ser comprovada.

“Como a cloroquina, [o edital e a cartilha] vendem um modelo mais baseado no desejo do governo de impor uma família ideal do que sustentado por evidências da vida concreta. A pergunta que fica é: por que esse governo necessita tanto criar e reforçar uma ‘família’ como unidade básica para suas ações de intervenção?”, indaga Andrea.

Andrea critica também a visão simplista e reducionista de família. “É um edital que sugere que medidas em relação às famílias podem ser tomadas para garantir que ela funcione bem, como se a família fosse uma mônada ou uma engrenagem que se bem ajustada, de acordo com princípios bastante vagos e gerais, geraria indivíduos saudáveis”, diz a antropóloga. Ela cita como exemplo disso a abordagem do edital em relação ao suicídio, um fenômeno que, segundo o edital, necessita do patrulhamento de pais vigilantes. “O suicídio é um fenômeno complexo, não pode ser reduzido à relação entre pais e filhos; esse tipo de abordagem em um edital de pesquisa surpreende demais”, comenta.


A Ministra Damares Alves participou de transmissão ao vivo no dia 5 de janeiro nas redes sociais de Bia Kicis (PSL), deputada federal e advogada. Na ocasião, as duas debateram sobre as “novas políticas de bolsas para pesquisas”, em referência ao edital, publicado dois dias depois. Damares deu início à discussão introduzindo o “time poderoso de pensadores” que, a partir de 2011, “começa a questionar o que estava acontecendo nas universidades e nas escolas do Brasil”.


Por trás das movimentações que deram fruto ao edital e outras ações (como Escola sem Partido, Brasil sem Aborto, Brasil sem Drogas e outros), a equipe era dividida por funções específicas com o mesmo objetivo: disseminar seu pensamento conservador coletivo em diversos âmbitos brasileiros, das igrejas e escolas ao Legislativo e Judiciário. Damares cita como integrantes do time, além de Bia, a vereadora Rute Costa (PSDB) e o advogado Miguel Nagib, responsável pela fundação do Escola sem Partido e pela idealização de texto que originou diversos projetos de lei homônimos. Como a ministra diz no vídeo, “não foi nada desorganizado”. Confira o vídeo completo:


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